Tropicalia, um jRPG Brasileiro
Era natal de 97.
Eu tinha 5 anos, e enquanto minha família estava bebendo, eu tinha uma epifania jogando DKC2.
“Tem gente que trabalha fazendo jogos!”
Passam-se alguns anos. Era Janeiro de 2019, eu tinha conseguido um emprego legal de programador em Barueri (quem conhece a região sabe como é), e me perguntei, “e agora?”.
Foi aí que eu resolvi criar um jogo, um projeto simples com escopo de 1 ano (quem dera).
Não seria meu primeiro jogo. Na adolescência tinha brincado com o RPG Maker, que é uma engine que facilita a criação de jogos. Na faculdade de Sistemas também sempre aproveitava os trabalhos pra fazer um joguinho aqui e ali e ir treinando. Mas nunca um projeto, sabe; com marketing e tudo.
Eu já tinha até tentado juntar algumas pessoas e criar um projeto, com marketing e tudo. Em diferentes ocasiões. Mas essas reuniões sempre acabavam em outras reuniões, numa espiral fractal de muita conversa e pouca mão na massa. Nunca deu em nada.
Não, dessa vez não. Eu ia criar tudo sozinho, ou pelo menos pagar pela ajuda prestada. Mas reuniões nunca mais.
Como eu decidi criar tudo sozinho, decidi voltar ao conforto de usar o RPG Maker.
Quem não conhece, existe toda um cultura amadora em volta do RPG Maker, e junto com ela todo um preconceito que a engine só cria jogos ruins.
O que é meio contraditório, pois não existe outra engine que tenha mais gente oferecendo ajuda com recursos e sistemas grátis. Sério, a comunidade envolvida com esse programa é gigante e sempre acolhedora.
Mas sem desvios. Escolhi fazer um pequeno RPG no RPG Maker. História simples, alguns poucos chefes; 10 horas de gameplay, se muito, e fim de papo.
Agora me faltava um tema.
Por muito tempo, eu criei na minha cabeça uma mistura doida de Earthbound com Turma da Mônica, mas aí Undertale apareceu, e com ele uma chuva de jogos usando o mesmo estilo de Undertale, e essa idéia foi pro lixo. (porém depende)
Eis que eu me deparo com esse meme:
E foi aí que me veio mais uma epifania.
O Brasil não teve capacidade ainda de exportar a ESTÉTICA indígena para o mundo, através de sua arte.
Favela, samba e futebol o mundo inteiro conhece. Mas, além de acharem que aqui nós falamos “mexicano”, um povo tribal daqui, da África ou da Austrália é basicamente a mesma coisa.
E foi aí que eu tive a ideia que centraliza o objetivo de Tropicalia: exportar a estética indígena!
Podem chamar de apropriação cultural, ou de mercado de nicho. Mas o que eu quis fazer é trazer um jogo competente, com um tema inovativo.
Falando em competente, e falando em nicho: o que é um RPG?
O RPG começou quando a gente ainda se sentava ao redor de fogueiras pra ver as estrelas e contar histórias. Interpretar histórias.
Nos anos 70, criaram Dungeons and Dragons, um jogo de tabuleiro com esse tipo de dinâmica.
Então criaram jogos digitais, Ultima e Wizardry, copiando as regras de tabuleiro de D&D.
Então o Japão resolveu copiar isso tudo e dar um ar novo para esse tipo de jogo, criando Dragon Quest e Final Fantasy. E o resto é história, e o gênero continua aí firme e forte. Até jogos de ação, quando implementam pontos de progressão em seu personagem, se tornam “Action-RPG”.
E aí que meu jogo entra.
Ele é claramente uma cópia desse sub-gênero japonês de RPGs. Tem até nome pra eles, jRPG. Mas dizer “jRPG brasileiro” não faz sentindo nenhum.
(Vamos ver se eu vou ter a competência de lançar o gênero bRPG, oremos!)
Desses jRPGs, as referências são tantas que não vale nem a pena citá-las. Abra uma lista aí de melhores jRPGs e vá conhecer o gênero você mesmo.
Agora, se você já ta cansado de saber disso tudo, pra me entender como designer basta saber que entre os Final Fantasy, prefiro muito mais o 5 do que o 6.
Pois bem, eu já tinha o gênero e a estética na cabeça. Me faltava um roteiro.
Caí de cabeça nas mitologias dos povos indígenas para ter inspirações, mas nem precisei ir muito longe, pois uma dos primeiros mitos que eu fui encontrar tinha o seguinte nome:
“O Mito de Kerana, e os Sete Monstros Lendários”, do povo Guaraní.
Puta que pariu, que nome de jogo!
Eu não quis nem saber, quando eu li esse nome eu já sabia que não ia encontrar algo mais arquetípico que isso, e nem procurei mais.
O mito conta basicamente a história de Mario: O vilão sequestra a princesa.
Poréééém… a coisa fica mais complicada quando a princesa engravida do vilão, e tem 7 filhos-demônio que aterrorizam todo o continente.
Com essa história como base, criei o Kaique. Um ex-namorado de Kerana, com a missão de resgatá-la. Porém, vocês podem ver que a situação aqui é mais delicada que a do Mario, e a tragédia está escrita, qualquer que seja o desfecho.
E essa é a história da concepção de Tropicalia. (sem acento para não confundir os gringo)
E quanto as acusações de apropriação cultural, ao copiar indígenas, japoneses e americanos com essa obra, eu vou me apoiar no Movimento Antropofágico de Oswald de Andrade (que eu só fui conhecer depois disso tudo pra ser sincero, mas que caiu como uma luva), que propõe a “Devoração cultural das técnicas importadas para reelaborá-las com autonomia, convertendo-as em produto de exportação”.
Numa próxima, vou falar sobre detalhes mais técnicos do jogo.
Por hoje é só, um beijo na alma!
Para saber mais, acesse @tropicaliagame no Twitter ou no Instagram.
Para jogar a demo, CLIQUE AQUI e jogue diretamente pelo browser.
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(Edição em Dezembro de 2020) Alterei as palavras LENDA e ÍNDIO por MITO e INDÍGENA, após aprender sobre a problematização dessas palavras.